Escrevendo sobre o novo disco do Daft Punk num número recente da revista “Time”, Jesse James cita uma frase da revolucionária coreógrafa americana, Martha Graham: “Nenhum artista está à frente do seu tempo – ele é seu tempo; são os outros que estão atrás do tempo”. A ideia, claro, era falar que o Daft Punk está há 20 anos no seu próprio tempo – como todo artista que vale alguma coisa tem que estar (pense em Bowie, que faz a mesma coisa há mais de quatro décadas; ou Madonna, que é assim desde o início dos anos 80). Mas não resisti à tentação de estender esse conceito, diante da notícia que circulou com mais intensidade na última semana, e que deixa pesarosa mais de uma geração de amantes do pop (e mais ainda este que vos escreve, e que fez parte do início desta história): a MTV Brasil, como a gente conhece, está prestes a terminar.
O que vai exatamente acontecer depende da fonte que você estiver lendo. Como ninguém no Brasil faz reportagens de verdade sobre televisão – uma vez que o assunto aqui sobrevive de “notinhas” e opiniões, mas não de investigações aprofundadas –, sei tanto quanto você sobre os destinos da MTV Brasil. Pode ser que hoje, segunda-feira, haja uma leva de demissões. Pode ser que ela vire um canal exclusivo de TV paga. Pode ser que ela só seja uma repetidora de clipes e arquivos (o que, para mim é até motivo de comemoração, uma vez que, se isso realmente acontecer, vou ter mais chances de ver entrevistas “históricas” que fiz com luminares da música como Renato Russo e Kurt Cobain). Pode ser que ela se reinvente e conquiste uma nova geração de fãs. Mas em qualquer uma dessas hipóteses, o que é certo é que nada será como antes. Como, aliás, já não é há muito tempo…
Há uma palavra em inglês que gosto muito – e cuja transição para o português, como sempre (“traduttore, traditore”, não é?), trai um pouco seu significado original: “fizzle”. Se você procurar uma tradução (online mesmo), vai achar definições como: “malogro”, “fiasco”, e até “assobio”. Mas uma consulta a um dicionário de inglês para inglês mesmo (tipo o Oxford), “fizzle” aparece como algo que termina num desfecho decepcionante depois de um começo promissor. Assim, tipo MTV Brasil.
Para você que me acompanhou nestes três parágrafos na expectativa de ler alguma coisa sobre “O grande Gatsby” e “Mad men” – como eu tinha prometido falar na semana passada –, obrigado pela paciência. Como você vai ver mais adiante, não vou fugir tanto assim do assunto. Gostei de “Gatsby” e mais ainda de “Mad men”, como vou desenvolver melhor daqui a pouco. Mas esses dois fenômenos pop (o filme, com sua bilheteria de US$ 140 milhões só nos Estados Unidos, e a série com uma coleção de elogios que só perde talvez para “Os Sopranos”) têm uma coisa em comum que curiosamente me remeteu aos últimos dias da MTV – e, indo ainda mais adiante na licença poética, ao cenário cultural do Brasil: são retratos de períodos de excessos e que estão prestes a entrar em colapso.
Dificilmente vou achar alguém para defender comigo a ideia de que a MTV Brasil estava no seu auge, em pleno 2013. Porém, embora ela estivesse longe de irradiar o mesmo impacto daquele início dos anos 90 (sua estreia, só lembrando, foi em 20 de outubro de 1990), até hoje o canal continuava a ser uma razoável fonte de talentos. Se nesses quase 23 anos nossa MTV dificilmente pode dizer que estourou uma banda nacional (um feito praticamente rotineiro na história da MTV americana), ao menos o canal brasileiro pode se orgulhar de sempre ter exportado talentos – a modéstia me impede de dar exemplos, mas tenho certeza de que você já tem esses nomes na sua cabeça… E, nesse sentido, a MTV Brasil sempre foi aquilo que Martha Graham disse: um “artista do seu tempo”. Aquela força criativa que estava presente desde a sua origem (que presenciei de perto) sempre aparecia em um ou outro aspecto de sua programação – o “canto do cisne”, a série “A menina sem qualidades”, é a prova mais recente disso. O que terá acontecido então?
Uma explicação possível é que as inovações que ela apresentava perderam consideravelmente sua força. Na verdade, eu diria que elas foram diluídas – estão espalhadas por todas as TVs, já incorporadas e boa parte dos programas que querem fazer alguma coisa diferente. Outra possibilidade, menos otimista, é o que podemos chamar de “maldição de Martha Graham”: a MTV Brasil deixou de ser uma “artista de seu tempo”, ou ainda, passou para a ala dos que, como definiu a coreógrafa, estão atrás de seu tempo.
Uma das coisas mais cruéis da cultura pop é que ela tem prazo de validade. É triste, mas é verdade: de Gera Samba a Oasis, a realidade é que se você faz sucesso, você está fadado à extinção. Exceções existem: a já citada Madonna, Ivete, Angelina Jolie… Mas para cada estrela que sobrevive mais de uma temporada, centenas de outros talentos perecem. As variáveis que definem o êxito ou o fracasso são quase sempre imprevisíveis – e não tenha dúvida de que quem aprende a se reinventar tem sempre chances melhores de continuar relevante. Mas a máquina trituradora do pop é implacável. E não é nem uma questão de credibilidade: é fácil prever que uma banda tão superficial como, digamos, as Spice Girls teriam uma vida curta. Mas nem o “rock sério” escapa – e um bom argumento a favor disso é o número recente do “NME”, celebrando os “anos dourados” do “britpop” (mais ou menos, de 1994 a 1997). Em uma das matérias do semanário mais influente da música britânica, eles convidam vários artistas, escritores e jornalistas para apontar os “culpados” pela morte do movimento: de cocaína a Tony Blair. Independente do ponto de vista de cada um, fica claro que mesmo um dos movimentos mais sólidos do rock (que era representado, entre tantos nomes, por Blur, Oasis, e Radiohead) tinha, desde seu início, seus dias contados. É assim…
Nesse sentido, as mais de duas décadas da MTV Brasil é sim uma história de sucesso. O fôlego vinha faltando, é verdade. A vertente do humor, que surgiu como uma boa alternativa à programação musical (assim como a saída dos “realities” tipo “Jersey shore” foi uma boa solução para a MTV americana), foi a última braçada do canal em águas turbulentas, mas eu não diria que a MTV Brasil morreu na praia. Ela sai da água não com a cabeça baixa, mas com um legado considerável, cujos ecos ainda vamos ouvir por um bom tempo.
Mas, para usar mais uma vez a expressão em inglês, ela “fizzled”. Aquela promessa do início por mais de uma vez pareceu que ia explodir, mas ficou por isso mesmo. Guardadas as proporções, ela viveu até recentemente, um tipo de “exuberância irracional” – cujo ponto alto foi o show, no ano passado de Wagner Moura à frente do Legião Urbana. Era a MTV celebrando o poder da música (pedindo licença a Renato) “como se não houvesse amanhã”. Aquela noite funcionou como um delírio catártico, que parecia acontecer longe de tudo. Todo o cenário mudando em volta e ali no palco uma celebração vitoriosa daquilo que a música é capaz de fazer: nos transformar. O apocalipse batia à porta, mas a banda continuava tocando.
Como nas festas de Gatsby ou nos “happy hours” de Dan Draper, em “Mad men”. Com que prazer assistimos a cenas como essas – seja pelos excessos alucinados de Baz Luhrmann (que achei uma escolha certíssima para refilmar essa saga americana), ou pela preciosidade da dramaturgia de “Mad men” (quem foi mesmo que disse que se Shakespeare estivesse vivo hoje ele estaria escrevendo para a TV americana?). Aos olhos de quem vive nos excessos da segunda década do século 21, os exageros dos anos 20 e 60 do século 20 parecem pura alucinação – mas só porque estamos vendo de longe. Se você perguntasse para o próprio Gatsby ou para Draper se eles percebiam o que estava prestes a acontecer, a resposta certamente seria um não. Assim como se nós olharmos para os lados, teríamos dificuldade de sacar que… o fim está próximo. Não “O FIM” no sentido mais categórico, cataclísmico. Mas a farra está para acabar…
Todo mundo está se divertindo – e eu acho isso ótimo. Mas sem querer parecer um estraga-prazeres, as coisas estão indo numa velocidade que daqui a pouco vai jogar contra toda essa animação, levando todos nós ao que gosto de chamar de “crise de conteúdo”. Então a MTV Brasil vai fechar – mas as más notícias não param por aí. Tem revistas que também estão prestes a acabar. Todo mundo acha o máximo que não é mais preciso mais pagar para ouvir música – e a atitude com relação aos filmes caminha na mesma direção. A TV está tentando entender como se adaptar aos novos tempos. Jornais estão fechando e sites de notícia se enfraquecendo (quando um site começa citar outro site como “fonte”, é porque a coisa está feia…). Todo mundo está sempre rindo da mesma piada. E quem é que vai produzir conteúdo? Netflix? YouTube? Colunas de fofoca? Sua página do Face? (Este é outro ponto crítico, prestes a entrar em ebulição sem que as pessoas envolvidas percebam, justamente porque estão tão dentro do processo – suas vidas cada vez mais devassadas e menos interessantes, acabam se tornando narrativas vazias, construídas do mesmo argumento, e ilustradas com a mesma pose que todos fazem para a foto: o ombrinho de lado, o cabelo das meninas caídos, os meninos cruzando os braços para realçar os bíceps que não têm, a falsa intimidade dos casais ou das turmas definida pelo tamanho reduzido da tela de um smartfone… mas eu, claro, divago…).
Estamos exatamente no meio de uma dessas “exuberâncias irracionais” e, insisto, a banda continua tocando. Se soo um pouco reacionário é porque justamente a música está alta demais para você ouvir – ou então você só quer dançar, dançar, dançar… Mas até quando? Nesse ritmo, logo perderemos a noção do que é ser dono do tempo – e viveremos eternamente atrás dele: reciclando o que já foi moderno, numa ilusão reconfortante de que somos super descolados. OMG!!!
O refrão nosso de cada dia
“I didn’t mean to hurt you”, Felt – a notícia de que Maurice Deebank estava finalmente lançando um novo disco mexeu com minha nostalgia. Quem? – você deve estar se perguntando. Deebank era o guitarrista de uma das minhas bandas favoritas dos anos 80 – Felt. Imediatamente encomendei o CD pela internet e aguardo ansiosamente sua chegada para matar a saudade. Uma vez que “Inner thought zone” é bastante instrumental, devo sentir falta dos vocais excêntricos de Lawrence – o cantor e líder do Felt -, mas a chance de ouvir as sofisticadas harmonias de Deebank é boa demais para deixar passar. Mas do que eu estou falando? De uma banda que é do tempo em que ainda se produziam músicas originais! Quem ainda está interessado nisso? (Em tempo, se você estiver interessado nisso, procure ouvir também outra canção genial do Felt,“Ballad of the band” – dura menos de três minutos, mas é a pura perfeição pop).
ainda tem mais sobre MTV e boa musica como os DAFT PUNKS no seu blog: http://g1.globo.com/platb/zecacamargo/ vale mais que a pena visitar e ler.
Gabriel Buzz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário